
No dia 22 de novembro de 2024 foi publicado em Diário da República, o Decreto-lei n.º90/2024, que veio alterar o Decreto-Lei n.º 140/2009, de 15 de junho, e onde se define o perfil e a habilitação necessários dos conservadores-restauradores para a realização de intervenções de conservação e restauro em património cultural classificado ou em vias de classificação.
Este diploma traduz um conjunto de alterações profundas nas intervenções de conservação e restauro, para o património cultural, e para a profissão de conservador-restaurador.
Começando pelas intervenções, o que é que muda? Antes de mais, importa revisitarmos a versão anterior do Decreto-lei n.º140/2009. Antes do dia 22 de novembro, apenas para efeitos da realização do relatório prévio e da direção e coordenação de obras ou intervenções de conservação e restauro em bens móveis, se especificava as qualificações dos profissionais habilitados para o efeito. Estabelecia-se aí, que eram da responsabilidade de um técnico com formação superior de cinco anos em conservação e restauro. No que diz respeito à execução das intervenções, era completamente omisso, dizendo apenas que eram realizadas por técnicos com qualificação e experiência adequadas nas respetivas áreas de especialidade.
Esse carácter de indefinição, era extensível ao património imóvel e móvel integrado. Ao longo da lei, no âmbito do património imóvel, existiam apenas três artigos, que focavam exclusivamente o relatório prévio e sem qualquer referência à coordenação e intervenção. No caso do património móvel integrado, não existia qualquer capítulo sobre o mesmo, e, por isso, normativos para a coordenação e intervenções de conservação e restauro.
O diploma publicado em novembro, veio especificar quais os técnicos habilitados para realizar a coordenação e as intervenções de conservação e restauro nas diferentes tipologias de património, alterando este quadro de indefinição. Quer no património móvel, móvel integrado, e imóvel, as intervenções e coordenação passam a ser da responsabilidade do conservador-restaurador, com o Estado a assumir, desta forma, a relevância e o papel insubstituível deste profissional no sector do Património Cultural.
Para o património, estas alterações são igualmente relevantes. Não só se elimina o sentido de discricionariedade que existia antes, que remetia para as entidades e Donos de Obra a definição das qualificações e dos técnicos para esses diferentes contextos, como no âmbito dos mesmos, a lei passa a ter o entendimento abrangente preconizado no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 140/2009, concretizando várias disposições para as áreas do património imóvel, móvel e móvel integrado (até aqui inexistentes).
No que diz respeito à profissão, resulta da lei a proteção do título de conservador-restaurador. Ao definir no artigo 18º que o técnico com as qualificações legalmente reconhecidas para a realização dos relatórios prévios, (extensível à coordenação e intervenção) é o conservador-restaurador, e que este profissional deve ter as qualificações que os pontos 1 e 2 do artigo definem, desde o dia 22 de novembro só os profissionais que cumprirem esses requisitos, poderão usar o título de conservadores-restauradores. Este aspeto é um ponto incontornável em qualquer processo de regulação de uma atividade profissional, e assume-se como um importante passo no processo de reconhecimento e afirmação da profissão na sociedade.
Mas se estes pontos significam um enorme avanço para a profissão e uma salvaguarda para o património cultural, levantam-se com a publicação deste diploma legislativo outros desafios.
O primeiro prende-se com a disposição transitória prevista no artigo 4º do Decreto-lei n.º90/2024. Segundo o mesmo, “no prazo de três anos a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei, os profissionais que possuam, a esta data, um mínimo de 10 anos de experiência profissional em direção e coordenação de obras ou intervenções de conservação e restauro em bens culturais móveis ou património integrado, e que não detenham as habilitações literárias legalmente exigidas, podem requerer junto da administração do património cultural competente o reconhecimento da habilitação para o exercício daquelas funções”.
Sendo este um processo da responsabilidade exclusiva da administração do património cultural, importa que o Estado o circunscreva à realidade que motivou a sua inclusão na lei: aos profissionais com formação em especialidades sem oferta formativa na área da Conservação e Restauro, no nosso país – e aqui importará considerar, sobretudo, o período anterior ao surgimento da primeira formação superior em Conservação e Restauro em Portugal (1989), os percursos formativos promovidos pelo Estado, ou os percursos formativos realizados fora do país. Importa, igualmente, que o mesmo aconteça envolvendo as duas entidades do sector do património que têm inscritas nas suas atribuições a acreditação dos profissionais e empresas do sector: a Património Cultural IP e a Museus e Monumentos EP (na figura do Laboratório José de Figueiredo). Com a primeira orientada para o património imóvel e móvel integrado e a segunda para o património móvel (ainda que possua, também, responsabilidades na definição de normativos para o património móvel integrado), o processo deverá ser realizado num único momento (evitando-se, assim, duplicações) e de forma a cobrir as diferentes categorias de património. Por último deverá ser orientado, exclusivamente, para a função de coordenação. Apesar de na lei surgir a expressão “Direção de obras ou intervenções”, o espírito da lei remete, claramente, para os conservadores-restauradores que construíram um percurso de especialização numa área de intervenção específica, somando à experiência profissional no âmbito da intervenção, a coordenação. Este perfil de coordenação de obra é diferente do perfil associado à direção de obra, que remete para alguém que representando uma entidade adjudicante, responde perante o dono de obra, fazendo a articulação entre este e a coordenação de obra – e que pode, muitas das vezes, nem ser um conservador-restaurador.
Outro aspeto que resulta deste diploma, prende-se com as implicações para as admissões de conservadores-restauradores para a Função Pública, que terão de ser revistas. Com a revogação da Lei n.º55/2001 em 2008, que consagrava a existência da carreira de conservador-restaurador no Estado (estabelecendo, já aí, a obrigatoriedade de formação superior em conservação e restauro com 5 anos de duração), e com a transformação desta numa carreira geral, os procedimentos concursais para admissão de conservadores-restauradores na administração central e local passaram a exigir aos candidatos uma licenciatura de 3 anos como requisito, em termos de qualificações. Sendo que nesses diferentes contextos desempenham, em muitos casos, funções que pressupõem a elaboração de relatórios prévios, coordenação ou intervenção, envolvendo património classificado ou em vias de classificação, com a publicação do novo diploma passamos a ter, não só a existência de profissionais com qualificações inferiores às estabelecidas pelo novo enquadramento legal, como a realização de procedimentos concursais com requisitos de admissão também inferiores aos agora consagrados pelo mesmo. Torna-se, por isso, incontornável o Estado sanar esta contradição, seja pelo restabelecimento da carreira de conservador-restaurador, seja (e na eventualidade da conservação e restauro não responder aos pressupostos definido para criação de uma carreira especial), pela reprodução do modelo definido no processo de admissão de conservadores-restauradores para o Laboratório José de Figueiredo, realizado em 2022, onde o mestrado em conservação e restauro se tornava um fator preferencial, na seleção dos candidatos.
Por último, refira-se a necessidade de alargamento do estabelecido no Decreto-lei n.º90/2024 a todo o património à guarda do Estado, independentemente de ser classificado, ou não. Se o Estado Português tem o dever constitucional de salvaguarda do património cultural, que se traduz nas muitas instituições ao nível do poder local e administração central criadas para o efeito, se reconhece, com a subscrição da convenção de Faro em 2008, que o direito ao património cultural é inerente ao direito de participar na vida cultural, tal como definido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a sua preservação e utilização sustentável têm por finalidade o desenvolvimento humano e a qualidade de vida, e se também aí assume o compromisso de promover uma elevada qualidade nas intervenções no património, deve-se tornar, por isso, uma consequência natural deste processo o alargamento ao património não classificado – este é, aliás, o enquadramento verificado em alguns países que têm a profissão e as intervenções em património reguladas, como seja a Grécia ou a República Checa).
Se este diploma significa o resultado de uma luta de vários anos dos conservadores-restauradores, traduzindo um marco incontornável na profissão (a que se somou, no início do ano, a existência de um código de atividade económica específico para a conservação e restauro), não resolve todos os problemas da profissão e existentes no setor do património cultural (como, aliás, se demonstra atrás), e implicará um período de ajustamento do mercado, das instituições e da oferta formativa, para que possa ser implementado de forma plena. Apesar de se assistir nos últimos anos a uma mudança na perceção pública relativamente ao conservador-restaurador e à conservação e restauro, como atesta a crescente visibilidade conferida ao dia internacional do conservador-restaurador (mesmo que a escolha da data tenha sido um erro) ou à semana europeia da conservação e restauro (promovida pela Confederação Europeia de Associações Profissionais de Conservadores-Restauradores (ECCO)), a experiência noutros países onde a profissão e as intervenções em património são reguladas, mostram que o caminho é longo, e que ainda estamos longe de um nível de reconhecimento e funcionamento, como em outros sectores e profissões com uma maior longevidade (veja-se, a este propósito, as comunicações feitas em 2022 por várias associações profissionais do setor, sobre a realidade da conservação e restauro nos diferentes países, numa iniciativa promovida pela ECCO).
Tal como em muitos outros aspetos da vida, as mudanças e as circunstâncias vão redefinindo os objetivos e a rota a seguir. Mais do que um ponto de chegada, o Decreto-lei n.º 90/2024 é agora o ponto partida, para tudo aquilo que falta fazer. A grande diferença, é que desde o dia 22 de novembro passámos a ter formalmente e de uma forma indissociável, o conservador-restaurador como umas das figuras do património cultural (mesmo que já o fosse), e esse é o grande argumento, a partir de agora, para combater ambiguidades, vazios, discricionariedades e usos abusivos do título, que se verificavam antes da publicação deste diploma, e que possam subsistir no futuro.
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