Levou algum tempo, desde a invenção da extraordinária figura de Astérix, o gaulês, apresentada ao mundo em 1959 (criada por René Goscinny e por Albert Uderzo, paz às suas almas e o nosso eterno agradecimento pela sua bem-disposta genialidade), para que o pequeno herói tenha tomado plena consciência da sua identidade romana, que não se opunha, apenas se somava, à céltica. Essa ontológica epifania ocorreu-lhe já no décimo segundo álbum, lançado em 1968, denominado “Astérix nos Jogos Olímpicos”.
A dado passo, quando os irredutíveis aldeões colocavam a hipótese de tentar participar no exclusivo evento desportivo grego, para a qual os romanos haviam sido excecionalmente convidados, iniciou-se uma mais ou menos séria reflexão coletiva acerca do seu próprio enquadramento e pertença geopolítica, legitimando essa possibilidade, principalmente porque lhes apetecia participar. Porém, havia que encontrar justificação. Nesse sentido, na sua perspetiva, desde a conquista oficial da Gália, realizada pelos exércitos de Júlio César, que estes gauleses passaram a ser, afinal, pelo menos administrativamente, também eles romanos.
Certo é que tal inspirado pensamento nunca lhes retirou, antes, durante ou depois, o gosto de alegremente espancar oficiais e legionários do exército romano, com a habitual voracidade; nem tão pouco evitou que Obélix continue ainda hoje a concluir amiudamente que: “Ils sont fous, ces Romains!”, consequentemente, colocando-se à parte do processo civilizacional e cultural denominado romanização, com o qual evidentemente ele não se confunde.
Portugal, com ressaca imperial, mercê do processo de descolonização, que pôs fim a 560 anos de romantizada gesta marítima civilizadora (1415-1975), que de forma solitária e orgulhosamente mantida, assim a juraram (e apenas assim se afiançou junto dos crédulos), defrontou-se, subitamente, com a sua singularidade ibérica e, nesse contexto peninsular, desprotegida. A nação pouco mais era que a asterixiana “aldeia gaulesa”, desta feita povoada por irredutíveis lusitanos, cansados da guerra, mas que ainda queriam resistir ao invasor castelhano, poder centrípeto da ibérica, materializado nessa metrópole-conceito, bicho-papão da meseta que todo o litorâneo ibérico submete, denominada Madrid. Essa consciência do vizinho Dom Quixote gigante, fez com que Portugal houvesse abraçado, com celeridade, mas somente com algum contido entusiasmo, a integração do país na Comunidade Económica Europeia, que apenas terá sido aspiração real de alguns, mais progressistas. E houve um vasto consenso nacional nessa integração - se bem que morno -, que me parece ser mais filho da argúcia temerosa de um Sancho Pança, que da férrea determinação em ser: “Aqueles, que por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando.” (Lusíadas, Cnt.1, Estr. 2). É que iberistas, em Portugal, sempre se contaram pelos dedos, como bem nos explica Ramón Villares, em ensaio recentemente publicado pela Tinta-da-China, intitulado “Composição Ibérica. Portugal e as Espanhas”, de utilíssima e proveitosa leitura para nos conhecermos a nós mesmos.
A candidatura foi apresentada em 1977, apenas dois anos depois de realizados os acelerados processos de descolonização, mas a libertação definitiva desses Filipes madrilenos foi resultado de duras negociações com aqueles que moram além-Pirenéus, culminadas na assinatura do Tratado, a 12 de junho 1985, integrando oficialmente a comunidade a 1 de janeiro de 1986, e todos pudemos cantar, com incontido alívio, em discrepante uníssono com os G.N.R., um dos seus maiores êxitos musicais.
Compradas as tréguas e o tempo e, portanto, se libertos do hipotético jugo castelhanos estamos, não nos tornámos europeístas convictos por causa disso. A perspetiva do português comum foi habitualmente a de: “Eu cá. Eles lá.” No fundo, uma cópia perfeita da mundividência de Obélix, que se coloca à parte do processo civilizacional e cultural denominado europeização, com o qual, de forma clara, o português médio jamais se confunde. E, na crítica feita às políticas europeias emanadas por Bruxelas, não é estranho vermos outras mais semelhanças obelixianas, com um desabafo sonoro amiudamente partilhado, de que: “Estes europeus são doidos!”. Por vezes, este mimo é até acompanhado de abundante vernáculo. Este estar de dentro e, em simultâneo, estar de fora, o popular “sol na eira, chuva no nabal”, o não-compromisso, ou como diz o José Gil, a “não-inscrição”, é, sem dúvida, uma das grandes angústias existenciais da portugalidade contemporânea.
Outra nossa caraterística, que à anterior se junta, com potencial absolutamente explosivo, é bem mais conhecida. Portugal, quando vai a jogo europeu, acanha-se. Somos os ditos “bons alunos”, o que implica necessariamente uma subserviência face ao “professor”, que são as demais nações que constroem a Europa. É como se não reconhecêssemos a nós mesmos o direito natural de integrar o Concerto das Nações e, por isso mesmo, tentamos agradar e, de quando em vez, atiram-nos um biscoito. Mendigado afeto, onde, no final, os outros nos aprovam e nos elogiam, como se faz a um devoto “Bobby” que se preze, e vamos embora, abanando a cauda, não tendo alterado coisa nenhuma no devir da história futura, mas absolutamente convencidos de que somos os maiores; como aquele outro “Bobi” de Leiria, Rafeiro do Alentejo de raça pura, recente dado como fraude do Guinness World Records.
No que ao nosso património cultural diz respeito, adoramos levar-lhes os sítios que a pobreza congelou no tempo, embelezados, até “riquinhos”, mas desprovidos do seu valor conceptual. Como se o património cultural fosse apenas um invólucro. Um embrulho. Aparência e nada mais. Como se fosse nossa tímida pretensão não ser notado em excesso, não ser central na afirmação de uma ideia de Europa. Uma nação que faria as delícias dos psicanalistas, como comummente sabemos. Perante o de fora, vamo-nos baixando, em subserviência, desconfiando de nós próprios, achando-nos grosseiros, subdesenvolvidos e repletos de gosto fraco.
Paradigmático exemplo da materialização das ideias acima aludidas, é o caso da iniciativa Marca do Património Europeu. A Marca do Património Europeu foi criada pela União Europeia, ao nível intergovernamental e como distinção específica, com vista a demonstrar a importância partilhada dos diversos países na construção da ideia de Europa, sendo atribuído um selo de distinção aos grandes feitos, monumentos, efemérides e sítios que simbolizam marcos relevantes na construção da história e da identidade comum, desde 2006. A partir de 2013, foi remodelada, passando a ser uma iniciativa gerida diretamente pelo gabinete responsável na Comissão Europeia, renomeada e requalificada conforme a conhecemos presentemente, mais ajustada à lógica neoliberal dominante.
Portugal foi país aderente da iniciativa desde o seu recomeço. Em 2014, o nosso país recebeu as primeiras duas distinções da Marca, atribuídas à Carta de Lei da Abolição da Pena de Morte e ao Património Edificado da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. No ano seguinte, foi a vez da Paisagem Cultural e Natural do Promontório de Sagres ser reconhecida, atendendo ao papel que assumiu historicamente, na vanguarda da primeira grande globalização europeia. Em 2020, foi o Património Cultural Subaquático dos Açores, com cerca de 1000 naufrágios documentalmente registados, cerca de uma centena de sítios arqueológicos já devidamente identificados, trinta e cinco sítios visitáveis e cinco parques arqueológicos subaquáticos criados.
Quatro distinções portuguesas em sessenta e sete sítios ou manifestações, que na Europa receberam a distinção, ou seja, quase 6%. É percentagem paupérrima face ao contributo da história portuguesa para a construção da Europa e do mundo. E com todo o devido respeito que merece, não creio que a Eslovénia tenha contribuído mais do que Portugal para essa ideia de Europa, sendo que, no entanto, possui mais distinções. Com toda a legitimidade, acrescente-se e sublinhe-se. Todavia, é por isso mesmo que estou a chamar a atenção para este paradigmático exemplo, na área do património cultural, reflexo do não-compromisso e da “não-inscrição” da cultura portuguesa. Portugal integra a União Europeia há quase 40 anos. Muitas das caraterísticas de que até agora temos vindo a falar estão, felizmente, mitigadas ou atenuadas, mas falta-nos ainda a vontade. A férrea vontade, como nos cantava Camões, para que da lei da morte nos vamos libertando.
E por isso lanço o repto: Não sejas um Obélix!
Participa na mudança que queres e desejas para o teu próprio país.
No próximo dia 7 de novembro de 2024, entre as 15h e as 17h (14h e as 16h nos Açores), decorrerá uma sessão de esclarecimento, por via digital, intitulada “Marca do Património Europeu: A Europa começa aqui!”, promovida pelo GEPAC – Gabinete de estratégia, planeamento e avaliação culturais, do Ministério da Cultura. É destinada aos profissionais da área da cultura e património, aos estudantes, aos educadores, aos organismos, às instituições e às associações culturais, tal como ao público em geral interessado. Pois bem, fica feito o convite. Participa.
_______________________________________________________________________________ O autor utiliza o novo acordo ortográfico.
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A reflexão sobre a posição de Portugal na Europa revela um sentimento de resistência e hesitação, semelhante ao "Obélix", que se mantém à parte do processo de europeização. Mesmo com as mudanças políticas, o português médio mantém uma visão distanciada da integração. Se esse espírito de identidade te atrai, explore novas formas de diversão e emoção em https://fortunerabbitslots.com.br/como-jogar/ e descubra jogos que podem te surpreender!
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