(Evitar o) Rapto da Europa

Muitos dos que acompanham as temáticas associadas ao Património Cultural já terão conhecimento da existência e da actividade do designado Hub Europeu do Património (https://www.europeanheritagehub.eu/), ou se quiserem European Heritage Hub, um projeto-piloto promovido pela Comissão Europeia, cuja implementação está a cargo de um consórcio liderado pela Europa Nostra, que tem como representante em Portugal o Centro Nacional de Cultura. Na esfera nacional são parceiros associados a Câmara Municipal de Lisboa, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Património Cultural, I.P., mas as parcerias irão certamente multiplicar-se.

Tem por missão impulsionar um movimento, que se deseja cada vez mais lato, ligado ao Património Cultural na Europa e contribuir para a transformação verde, digital e social. Entre os seus objetivos estão definidos o reforço do papel do património cultural no desenvolvimento sustentável e na construção da paz, da coesão, do diálogo entre culturas e religiões. Uma Europa diversa, plural, unida, de soberania parcialmente partilhada, com uma identidade e memória de traços comuns. Os valores europeus da Liberdade e da Democracia serão tão fortes na medida em que a União Europeia for forte, e para isso não pode abdicar de ser um espaço de prosperidade, de diversidade, de solidariedade e de partilha, no qual os países partilham valores, recursos e soberania, mitigando egoísmos e projetando a compreensão do outro. Não se exige uma utopia nem uma comunidade perfeita. A exigência deve focar-se nos valores enunciados e no compromisso.

A Convenção de Faro, a Convenção-Quadro sobre o valor do Património Cultural para as Sociedades, que Portugal assinou em 2005, já anteriormente sistematizou e enfatizou estes aspectos, que me parecem basilares na construção de comunidades mais desenvolvidas, equitativas, inclusivas e sustentáveis.

Todo este esforço integrado e de consolidação de parcerias transnacionais parece-me essencial para que se avance no sentido da disseminação de uma cultura de paz e da consciencialização do património cultural, e do sector cultural e criativo num certo sentido, enquanto fator determinante para o desenvolvimento e para a criação de riqueza de forma transversal a diversos parâmetros, seja enriquecimento económico, social, cultural ou ambiental, que não podem ser considerados separadamente, quando o que está em causa é um caminho na senda do cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

Num período em que extremismos e radicalismos ameaçam o equilíbrio global, já de si difícil de gerir, o aprofundamento de ferramentas que promovam a moderação, a pacificação, o diálogo consequente, é algo imperioso. Acredito profundamente na valorização do Património Cultural exercida de forma real, realista, efetiva, através da partilha de meios e recursos, de conhecimentos, numa perspectiva de cooperação com um alcance cada vez mais vasto e cada vez mais enraízado.

Se prestarmos a maior atenção e dermos a relevância devida a iniciativas tão meritórias como o Hub Europeu do Património conseguiremos um passo mais firme no trilho do desenvolvimento sustentável e da germinação de uma cultura de paz e prosperidade. Não desejamos uma Europa e respetivos povos (assim como em qualquer outro ponto do mundo, naturalmente) reféns de extremismos e de ódios.

O único “Rapto de Europa” que nos deve entusiasmar e abraçar é o da mitologia clássica e os múltiplos reflexos na cultura e na arte ao longo dos tempos, que, de resto, devem ser assumidos como contributos insubstituíveis para a construção  de uma identidade cultural europeia.