A crescente valorização do património cultural, ao longo do século XX, favoreceu o paralelo desenvolvimento das instituições museologias, a nível mundial. Se, em determinados contextos, a decisão de criar ou renovar um museu motivou a construção de novos edifícios, concebidos de raiz para este tipo de programa, na Europa, a reabilitação de imóveis preexistentes afirmou-se como via preferencial.
Fotografia acima Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, Amarante. Projecto de Alcino Soutinho (1977-88) Foto: Helena Barranha
Esta solução não é, todavia, recente, dado que a história da arquitectura de museus foi, desde sempre, marcada pela integração de colecções e discursos expositivos em edifícios desenhados para outros usos. Alguns dos principais museus europeus foram, assim, instalados em imóveis preexistentes, como castelos, palácios e conventos, e apenas no século XIX, nomeadamente com os contributos de Durand, Schinkel e Leo von Klenze, o museu conquistou uma efectiva autonomia programática e tipológica1. A partir da Carta de Atenas (1931) e, em particular, depois da Segunda Guerra Mundial, a adaptação de imóveis históricos a espaços museológicos tornou-se um campo privilegiado para a afirmação de novas tendências na arquitectura contemporânea, assim como para a materialização de sucessivas doutrinas sobre conservação e restauro. À semelhança do que sucede noutros países europeus, em Portugal, a opção de alojar museus em edifícios com valor histórico é claramente preponderante, verificando-se que a larga maioria dos museus se encontra instalada em edifícios inicialmente concebidos para outras funções. Se considerarmos o universo das instituições que integram a Rede Portuguesa de Museus, constatamos que cerca de 90% correspondem a edifícios reconvertidos e apenas 10% a construções de raiz (2).
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto. Projecto de Fernando e Bernardo Távora
(1990-2001) Foto: Egídio Santos. Cortesia do MNSR.
Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Projecto de Jean-Michel Wilmotte (1988-94) Foto: Helena Barranha
Os exemplos são diversificados, tanto no que respeita a tipologias originais, como em termos de escala e de programas museológicos subjacentes, mas evidencia-se, como característica recorrente, o facto de os edifícios requalificados se destacarem nos respectivos contextos urbanos, estando frequentemente classificados como monumentos. Perante a perda de viabilidade da função primitiva destes imóveis, governos, autarquias ou entidades privadas promoveram a sua reabilitação para fins culturais (3). Neste contexto, alguns dos mais emblemáticos museus portugueses encontram-se sediados em arquitecturas preexistentes, como antigos equipamentos religiosos (Museu Grão Vasco, Viseu; Museu de Évora; Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso, Amarante; MNAC - Museu do Chiado, Lisboa), palácios (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; Museu Soares dos Reis, Porto), unidades industriais (Museu da Electricidade, Lisboa; Museu Municipal de Portimão), prisões (Centro Português de Fotografia, Porto), hospitais (Museu de Arte Contemporânea de Elvas – Colecção Cachola (4)) ou construções militares (Farol Museu de Santa Marta, Cascais). Importa salientar que, na maioria dos casos, o valor histórico-patrimonial das preexistências foi enriquecido pela intervenção arquitectónica contemporânea, e um número significativo destes museus corresponde mesmo a obras de referência no panorama da arquitectura portuguesa dos séculos XX e XXI, assinadas por arquitectos de diferentes escolas e gerações.
Museu de Portimão Projecto de Isabel Aires e José Cid (1999-2008) Foto: Cortesia do Museu de Portimão.
Museu Farol de Santa Marta Projecto de Francisco e Manuel Aires Mateus (2003-2007) Foto: Marco Gomes
Trata-se, contudo, de intervenções complexas, nem sempre isentas de polémica, tanto mais que os programas museológicos têm vindo a tornar-se progressivamente mais exigentes em termos de área e de flexibilidade espacial. Para além de cumprirem as tradicionais funções de estudo, conservação e exposição dos acervos, os museus desenvolvem hoje múltiplas actividades de âmbito cultural, educativo e lúdico, que ampliam o leque de requisitos a nível de espaços e de acessibilidades. Por esse motivo, os projectos de reabilitação de imóveis históricos para museus implicam, em muitos casos, a respectiva ampliação, através da adição de novos volumes. Por outro lado, seria equívoco considerar que a salvaguarda deste património termina na grande obra de reabilitação. Na realidade, os problemas funcionais e construtivos inerentes à preservação de edifícios históricos exigem acções continuadas e consistentes de manutenção, ou mesmo de adaptações pontuais (como sucede no contexto da montagem de exposições temporárias), que, se negligenciadas, podem comprometer a eficácia do projecto de requalificação ou mesmo pôr em causa o funcionamento do museu. Num momento em que a generalidade dos museus portugueses se confronta com graves cortes orçamentais, convém sublinhar que não é apenas a diversidade da programação temporária que é afectada (como os discursos políticos pretendem sugerir), mas também a própria manutenção dos edifícios que é posta em causa, quando os meios humanos, técnicos e materiais são insuficientes para garantir procedimentos básicos de conservação preventiva ou de reparação de patologias construtivas. Isto significa que, caso não sejam assegurados recursos mínimos, existe o risco de se perder, num espaço de tempo relativamente curto, o extraordinário investimento realizado, nas últimas décadas, em Portugal, na requalificação do património arquitectónico afecto a museus. Nos próximos artigos iremos analisar, com maior detalhe, algumas intervenções paradigmáticas de adaptação de imóveis históricos a museus e discutir alguns problemas com que estas instituições actualmente se deparam.
1 A este respeito, ver Nikolaus Pevsner, A History of Building Types, Princeton University Press, New Jersey, 1976. 2 Análise realizada a partir dos dados publicados no website da Rede Portuguesa de Museus (http://www.ipmuseus.pt/pt-PT/rpm/, consultado em 11-11-2011) e de pesquisa complementar. Do universo de 137 museus que se encontravam, então, integrados na RPM, 124 estavam instalados em imóveis preexistentes e apenas 13 em edifícios construídos de raiz com essa função. 3 Ver: Ana Tostões e Helena Barranha, “Museus e centros de arte contemporânea em edifícios históricos: alguns casos em Portugal”; Anais do Seminário Internacional de Museografia e Arquitectura de Museus 2005, Faculdade de Arquitectura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. 4 Este museu será analisado num artigo a publicar, brevemente, na revista patrimonio.pt.